1 de maio de 2020

Poemas para a mãe


Cantiga de mãe

Olha as horas!

Sai da cama!
Não demores
a acordar!
Lava os dentes
muito bem.

- Mas...ó mãe!...


Não inventes

mais desculpas
p'ra atrasar!
Passa o pente
na cabeça!
Bebe o leite
mais depressa!
E não te esqueças
também...

- Mas...ó mãe!...


... de levar

a papelada
assinada
que a professora
mandou.
Vai lá buscar
a mochila
e vê se, por esta vez,
estão prontos
os TPC!
e fecha bem...

- Mas...ó mãe!...


a torneira

da banheira!
Olha o pingo...

- Mas...ó mãe!...

Mas ó mãe!...
Hoje é domingo!

                   Alice Vieira, Rimas perfeitas, imperfeitas e mais- que-perfeitas




Poema à Mãe

No mais fundo de ti,
eu sei que traí, mãe.

Tudo porque já não sou
o retrato adormecido
no fundo dos teus olhos.

Tudo porque tu ignoras
que há leitos onde o frio não se demora
e noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
são duras, mãe,
e o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
que apertava junto ao coração
no retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
esqueceste que as minhas pernas cresceram,
que todo o meu corpo cresceu,
e até o meu coração
ficou enorme, mãe!

Olha — queres ouvir-me? —
às vezes ainda sou o menino
que adormeceu nos teus olhos;

ainda aperto contra o coração
rosas tão brancas
como as que tens na moldura;

ainda oiço a tua voz:
          Era uma vez uma princesa
          no meio de um laranjal...


Mas — tu sabes — a noite é enorme,
e todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
dei às aves os meus olhos a beber,

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves. 


                     Eugénio de Andrade, Os Amantes Sem Dinheiro

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